A RARIDADE DO AMOR E O FIM NAS SEPARAÇÕES
Felipe André Aço
"Enquanto não atravessarmos a dor da nossa própria
solidão, continuaremos a nos buscarmos em outras
metades. Para viver a dois,
antes é necessário ser um."
solidão, continuaremos a nos buscarmos em outras
metades. Para viver a dois,
antes é necessário ser um."
Fernando Pessoa
Diz o mito do Andrógino descrito no Banquete de Platão que estes eram seres completos que após serem divididos por Zeus entraram em desespero em busca de sua metade perdida... A carência, fruto da separação era tanta que quando as duas metades se encontravam, elas se abraçavam até morrer de inanição ou desespero por medo de voltar a se perder. Foi só por conta disso que Zeus resolver criar os órgãos genitais que pudessem então copular propiciando que em um lapso de tempo que fosse os dois pudessem ter uma sensação da sublime inteireza.
Nem todo o relacionamento, casamento, conjunção ou namoro comporta isto que costumamos chamar deAmor. Amor esta palavra repetida em cantos, poesias, liturgias encenações e que, parodiando Cecília Meireles, “não há ninguém que não entenda e ninguém que o possa explicar”, é um sentimento do sublime. Por isso não se pode amar muitas vezes na vida, pois só alça o sublime quem tem os pés bem assentados sobre o chão. Ele está no hiato entre o repouso e o êxtase. O sublime é um estado de plenitude vivido em alguns poucos momentos de nossa existência, remonta talvez aquele aconchego uterino em que estávamos em total fusão com nossas mães e que vivenciávamos a completude. Não é à toa que muitas mães relatam o momento da gravidez como aquele em que se sentem mais completas. De certa forma a gravidez é a experiência do andrógino. A mulher no final da gravidez tem duas cabeças, quadro braços, quatro pernas, etc.... Ela é tão poderosa quanto os seres andróginos eram.
Também a experiência de amor maduro joga os amantes no universo do paraíso infantil. Na linguagem dos casais: “Paizinho”, “mamãezinha”, “queridinha” ou “inho” expõe o desejo de uma plenitude infantil perdida no decorrer da existência com o outro. A busca pela completude nunca cessa, embora a experiência da paixão por vezes pareça dar fim a busca da “cara metade”. Mas paixão não é amor embora se nutra deste sentimento para existir.
Amor é paz, paixão é êxtase, um tipo de amor com medo da perda. Por isso que Freud nos dizia que nunca se está tão desamparado quanto na experiência da paixão. E aqui, Freud se referia ao amor do apaixonamento. Esse mesmo da sensação de plenitude pela complementação. O amor, pelo contrário, não tem medo, pois a experiência amorosa implica a segurança, confiança e garantia que o outro lhe dá, mesmo sem você necessitar ou sequer pedir, mas por você ser um pouco no outro e outro um pouco em você. Logo, o amor é uma experiência de paz quando correspondido.
Em um primeiro momento da relação, quando a paixão ainda viceja, não há como perceber as fragilidades de um relação sem plenitude, pois o viço de uma nova possibilidade de fusão com o outro faz parecer que o “universo conspira a seu favor” e o medo é uma constante proporcional ao desejo. Falta de fome, de sono, de ar? Não é amor, mas medo que aquele momento de êxtase acabe, destino trágico de qualquer amante. Assim como era trágica a morte dos andróginos divididos que reencontravam a sua metade, o medo era tanto que morriam abraçados.
Mas nos relacionamentos que se vão, após 5, 10 ou 20 anos juntos, o fervor da paixão já não existe. Por isso que as traições neste momento são tão doloridas, pois são traições de sentimento que quebra a paz, a confiança e a cumplicidade que justificam sua existência na entrega incondicional ao outro. Aquela inteireza, confiança e segurança que faz dormir abraçado, que chama para um cafuné, um beijo na nuca, um cheiro ou um toque gratuito.
A vivência do amor nunca foi a mesma da paixão, embora possam dividir os mesmos sentimentos. O amor implica o contato entre dois inteiros que buscam ser algo melhor juntos e não duas metades que necessitam estar unidas para sobre-viver. As relações que se vão, são remanescentes das paixões que não se transformaram em amor ou de indivíduos que não se permitiram ser o que são para amar. O amor é escolha, logo implica exclusividade. A paixão, pelo contrário, nutre-se do erotismo sensual e deseja o contato como forma de completude, gratificação e prazer. Como as sensações são intensas e poderosas, o medo do desamparo do fim também são grandiosos.
Existem muitos mais apaixonamentos do que amores... Aliás, O AMOR É COISA RARA. Embora a sensação de amor possa ser vivenciada nas relações fortuitas, intensas e sensuais, ela é só uma nuance de preenchimento de um vazio. Amar é ser COM e PELO do outro. Como é com e pelo outro que se ama um filho. Amar é ir além de si mesmo, transcender. Amar POR CAUSA do outro traz a angústia da dependência que joga o amante no paraíso perdido da fusão materna que nunca mais existirá....
Embora costume-se dizer que todos procuram uma “alma gêmea”, no cotidiano dos encontros, os opostos ainda são maioria. No entanto, nem todos os relacionamentos são baseados nesta diferença. Costuma ser comum às pessoas admirar outras naquilo que elas próprias não tem. A admiração é um balizador para o amor, mas não é o único, também o caráter, amizade e projetos comuns são fortes parâmetros para o amor. Na admiração, não raras vezes as qualidades admiradas serão as mesmas que levam ao fim da relação. Aquilo que admirava no outro tornam-se diferenças irreconciliáveis. Isso acontece porque há uma busca de complementariedade, uma relação dividida
almejando o preenchimento mútuo, mas que quando
alcançado, parece abrir outros buracos...
almejando o preenchimento mútuo, mas que quando
alcançado, parece abrir outros buracos...
A atração do amor é aquela de dois inteiros: um ser com corpo e alma. Não somente corpo, tão pouco só a alma. Por isso os AMORES são raros: há muitos vazios ansiando por preenchimento, mas poucos inteiros dispostos a transcender a si através do outro.