Este Blog é uma parte de minha multipla-intensidade, "fragmentos significativos" de mim mesmo. Poesia, arte, música, literatura e psicologia são partes indeléveis que me constituem e trans-formam, mas não há como dizer quem sou sem expôr o que me move e me inunda o ser. Sou aquele devir infantil que nunca esqueceu da bicicleta nem da ingênua pureza da vida. Sou aquele adulto ocupado num devir psíquico buscando achar perguntas as repostas de tantas intensidades. Viver é Recriar!
sexta-feira, 16 de novembro de 2012
sábado, 22 de setembro de 2012
Reflexão sobre o dia mundial sem Carro
Iniciado na França ainda na década de 90, o dia Mundial Sem Carro visa conscientizar as pessoas sobre a emissão de gás carbônico e o modelo de desenvolvimento baseado no automóvel. Hoje o Brasil tem algo próximo a 50 milhões de veículos; em alguns locais como a cidade de Caxias do Sul na serra Gaúcha existe um automóvel para cada duas pessoas o que, isentando-se as crianças e adolescentes que acredita-se não tenham carro, significa dizer que muitos tem mais de um automóvel, o que é de uma ilogicidade tremenda.
Em uma época em que se fala em sustentabilidade, o automóvel é, e sempre foi, o exemplo maior de desperdício energético. Uma pessoa como eu que tem por volta de 65 kg utiliza cerca de 1% da energia do automóvel para se locomover; os outros 99% é utilizado para mover o próprio automóvel. Se o Brasil como um todo tivesse um automóvel para cada duas pessoas estaríamos em colapso a muito tempo. Os Estados Unidos detém a maior frota de veículos do mundo, só não entrou em colapso ainda porque a matéria prima vem de países periféricos, não do seu próprio território.
A impressão que temos é que também estamos em colapso e estamos, principalmente em termos sociais. A frota de automóveis movidos a álcool e gasolina do país gasta 2,5 vezes a mais do que o transporte à diesel e transporta 12% da população. Isto é, 88% da população utiliza menos da metade da energia consumida por um pouco mais de 10% da população. Não sou um ativista lutando contra o automóvel inconseqüentemente, até porque sei dos avanços e dos benefícios que o mesmo trouxe à civilização, mas tenho que me basear nos fatos e refletir sobre os mesmos. O automóvel é um câncer maligno que à título de regeneração está destruindo todas as outras células do nosso corpo terra.
Certa vez um cientista, falando a uma platéia de ávidos alunos propõe a seguinte questão: imaginem a criação de uma nova invenção que aumentará a eficiência e a mobilidade de todos tornando a vida mais fácil. O único lado negativo, alerta o cientista, é que para esta invenção funcionar, 50 mil pessoas inocentes terão que morrer a cada ano. O que fariam os políticos? Adotariam tal invenção?
Os alunos estavam prestes a dizer que tal proposição seria completamente rejeitada quando o professor argumentou: -“Esta invenção já existe e se chama automóvel!”.
Pois é, o fato é que além dos prejuízos econômicos, sociais, psicológicos e ambientais o automóvel se converteu em uma das piores armas já inventadas. É uma guerra do Vietnã a cada ano. Desafio alguém dizer que não conhece ou não conheceu alguém que foi vítima do trânsito.
Vivemos em uma sociedade onde se mitificou e sacralizou o automóvel. Ele representa muito mais do que um simples e singelo instrumento de locomoção. É o status para o jovem, a vitrine para o profissional liberal o hobby para o executivo, vedete para madame, etc. Todos estes adjetivos são intercambiáveis.
Não é de espantar, portanto, que boa parte da classe média brasileira invista mais em seu automóvel do que investe em sua casa ou mesmo na educação de seus filhos. O carro vale muito mais do que sua representação venal. Ele é um símbolo de status, poder, virilidade, maturidade e realização. Não é por acaso que as SUV’s são recordistas em vendas (muito embora também o sejam em acidentes), pois tem uma significação de superioridade, autoridade e poder que vai além dos outros automóveis.
As pessoas não compram mais um automóvel, elas satisfazem um desejo. Desejo esse que não é autentico, mas é a representação de um ideal social: “Serei feliz se tiver este objeto!”. É impressionante como a geração do consumo, que tem pouco mais de 50 anos, é refém da publicidade. Somos condicionados a amar determinado carro, pois este está associado com determinada beldade. Ou a comprar determinada cerveja, pois esta representa o brilho e a festa que eu mais desejo ou, por outra, apreciar determinado refrigerante, pois este apóia a minha liberdade e fantasia. Aliás, liberdade é o marketing principal para a utilização do automóvel: ter autonomia, poder ir e vir. Certamente os marketeiros não falam sobre a possibilidade de ir e vir em uma metrópole como São Paulo por exemplo.
As pessoas precisariam aprender que a felicidade não se acha nas coisas, mas talvez estejamos por demais imbricados no meio social para conseguirmos perceber isso. Passamos 2/3 de nossa vida lutando para adquirir coisas e outro terço tentando se curar da ganância e das conseqüentes doenças do stress adquiridas neste tempo de conquista. Entre a conquista e as doenças talvez consigamos sobreviver, mas jamais viver.
O Chefe Seattle em 1854 já anunciava que “todas as coisas estão ligadas” . Se hoje podemos caminhar na terra deve-se a uma complexa conjunção de fatores bioquímicos que possibilitaram que este planeta não fosse uma imensa bola de fogo. Da mesma forma, se hoje temos condições de se alimentar é porque existe um ser capaz de armazenar energia do sol. Reverenciem as abelhas, pois se não fossem elas, muito pouca diversidade de plantas teríamos na terra. Aplaudam os fitoplânctons, pois eles possibilitam a existência de oxigênio na atmosfera. O Chefe Seattle que talvez tenha sido o primeiro ecologista de fato, já anunciava no século XIX que “o que acontecer a terra, acontecerá aos filhos da terra!”. O fato é que nós, seres racionais e humanos, continuamos a acreditar que somos o centro do universo e que, portanto, este deve nos servir.
É importante falarmos de energias renováveis, mas antes deveríamos falar em vidas renovadas. O problema da energia não é o da fonte, mas dos detritos. Enquanto acreditarmos que não temos nada a ver com os dejetos que nós mesmos produzimos, que não somos responsáveis por aquilo que descartamos, continuaremos utilizando o automóvel indiscriminadamente. A lógica ingênua de nossa civilização é a de acreditar que basta ter o meu quintal arrumado que tudo está bem. Se existe um ninho de ratazanas se desenvolvendo no quintal do vizinho isso não é da minha conta. Somos responsáveis não só por nossa própria vida, mas pela de nosso planeta.
Políticos ignoram aprender com quem já está
além no desenvolvimento urbano, tais como Nova York, Bogotá, Paris, Amsterdam,
Londres, etc. O que há em comum entre estas cidades? Todas elas partiram do
pressuposto de que para haver desenvolvimento humano as cidades devem ser para
as pessoas, não para os carros. Logo, a lógica foi fechar as ruas para os
carros e abri-las para as pessoas, as bicicletas e o transporte coletivo.
Resultado? Qualidade de Vida.
As autoridades referendam a premissa
traiçoeira do desenvolvimento econômico a qualquer preço. Precisamos de desenvolvimento humano, mas
nunca a qualquer preço: cidades mais HUMANAS em que as pessoas estejam em
contato com a natureza e que as vias sejam espaços de prioridade para a vida, não para os carros. Já repararam
como é tratado o pedestre e o ciclista nas ruas? Não! Definitivamente, hoje as estradas não são para as pessoas.
Certamente alguns poucos audazes e corajosos arriscam-se pedalando pelas
cidades, não são muitos, mas certamente
não estão sós.
Felipe André Aço
domingo, 5 de agosto de 2012
domingo, 29 de julho de 2012
MUDE
Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma no outro lado da cama... Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais... leia outros livros.
Viva outros romances.
Não faça do hábito um estilo de vida. Ame a novidade. Durma mais tarde.
Durma mais cedo.
Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias.
Tente o novo todo dia. O novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor.
A nova vida. Tente. Busque novos amigos.
Tente novos amores. Faça novas relações.
Tente novos amores. Faça novas relações.
Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida, compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado... outra marca de sabonete, outro creme dental... Tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares.
Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios, quebre delicadamente esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros, outros teatros, visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só. E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano.
Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as.
Seja criativo.
Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino. Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude, de novo.
Experimente outra vez.
Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas, mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda !
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!
Edson Marques
www.edsonmarques.com
Edson Marques
www.edsonmarques.com
INCIVILIDADE, TRÂNSITO E (NÓS?) OS CULPADOS.
A música de Chico
Buarque nos alça a flutuar “como um se fosse um príncipe”; expondo o
que todos nós já sentíamos, mas que nem sempre conseguimos expressar, que é o fato de que a rua como espaço público,
igualitário, no Brasil não é de todos.
Podemos imaginar ser um príncipe com seu séquito de seguranças e sua
limusine blindada, mas, se por um infortúnio da vida somarmo-nos as
estatísticas das vítimas do
asfalto a ferros neste país, não seremos mais do que um número no rol de perdas (necessárias?) do
trânsito.
A música retrata algo que o antropólogo Roberto DaMatta apontou em seu estudo
sobre o trânsito[1] em
que mostra como aprendemos, tacitamente, a hierarquia do espaço público. Em outras palavras,
aprendemos que as ruas são de todos os
iguais, mas com a ressalva que “alguns são mais iguais que outros”. Nossa herança aristocrática conduz-nos por ruas onde existir significa ser
visto e “preferencial” é a condição de quem pode, não daquele comum que trafega quase pedindo
licença e acenando alguma deferência, como o pobre o ciclista ou pedestre. No trânsito vale mais quem tem tamanho e
marca. Não é à toa que as SUVs são preferência do público, seu status é
superior em luxo e tamanho.
A imprudência
e a incivilidade do trânsito no Brasil decorre da ausência de uma visão
igualitária de mundo. Em um espaço comum como as ruas, costumamos reproduzir nossos mais primitivos instintos
psicológicos; a saber: o individualismo, a competitividade e a agressão. Tal
qual um nenê, queremos ser o “centro do mundo”, buscar o nosso prazer a
qualquer custo e disputar espaço nem que isso envolva tirar o que é do outro ou
“jogar” o nosso carro sobre o pedestre,
ciclista, motociclista ou os carros “inferiores” e desqualificados por sua
marca, ano de fabricação ou tamanho.
A
situação se torna verdadeiramente grave quando percebemos que esta conduta não
amadurece conforme os anos vão passando.
O que pode justificar isto, visto que crescer e amadurecer,
biopsicologicamente, não é uma opção,
mas uma condição da vida? Voltemos a
DaMatta que nos aponta um outro viés do comportamento do brasileiro que talvez
explique esta conduta imatura no
trânsito: a congênita prática de desrespeito às leis.
Este é
um aspecto contraditório , pois qualquer
pesquisa com motoristas no Brasil aponta o não cumprimento das leis e a
impunidade como um dos fatores geradores do caos. O mais intrigante é que a
maior parte destes motoristas entende que a fiscalização deva ser mais efetiva
sobre os outros, mas se sente extremamente ofendido quando é interpelado, pois
aguarda em fila dupla o filho que sai da escola ou transita pela ciclovia ou
pela direita que está vazia ou, ainda, quando é multado por estacionar em cima
da calçada quando não ia demorar mais do que poucos minutos.
O fato é que há uma dificuldade imensa do
brasileiro em obedecer às leis. A subordinação é tida por estes como uma
inferiorização, pois aqui historicamente atrelamos as leis a quem deve subserviência que, no
imaginário social, significa ser o
trabalhador braçal (o escravo no Brasil imperial). Às elites, tidas aqui como qualquer ator da
classe média ou alta mandam. Despreza-se a questão óbvia de que aquele que
manda também deve obediência as leis que regem a convivência social,
principalmente na representação maior desta convivência que é o trânsito. O fato é que boa parte das leis que orientam esta convivência social não foram introjetadas,
isto é, tornadas verdades para cada um. A fala que vem dos nossos motoristas
costuma apresentar a idéia de que cada um “respeita” o trânsito. Hora,
respeitar não é o mesmo que obedecer, esta condição pode estar atrelada ao meu
“bom humor” ou a existência de um fiscal de trânsito à minha frente, mas não é
necessariamente uma conduta internalizada (ou visceral).
Não é
somente aumentando o número de fiscais ou
reforçando a punição que resolverei o problema do trânsito no Brasil,
mas é sim criando políticas de educação
para trânsito que contemple o motorista, o pedestre, o ciclista, motociclista,
caminhoneiro, a criança, etc. Todos fazemos parte deste universo modal e a
forma como atuamos neste campo, diz muito de nosso jeito de ser, de nossa
cultura. Culpamos muitas vezes, com razão,
o governo pelo extermínio compulsivo de vidas que ele promove, mas assim
o fazendo nos eximimos de culpa deslocando a responsabilidade para o outro.
Mas o
fato é que somos tão culpados quanto nossos
vizinhos que marcadamente usam o trânsito como expressão de poder, pois referendamos um
jeito de ser motorista nos nossos pequenos gestos de intolerância e de
hierarquização do espaço público. A
humildade é um exercício de
autoconhecimento, pena que poucos
conseguem usar desta prática no trânsito.
O carro
se transformou no melhor exemplo de um
comportamento cultural...Ele é a marca de nossas diferenças , tanto pelo estilo
quanto pela forma que o utilizamos. Enquanto não compreendermos que a nossa
vida é única em uma sociedade que dependemos uns dos outros, continuaremos a
dirigir como se fôssemos donos do espaço público sem entender que aquele que
“morreu atrapalhando o tráfego” era mais uma vítima da nossa insensibilidade e
ignorância.
JORNADA PARA DENTRO DE SI MESMO

Diz uma história antiga que uma pessoa foi para o céu e lá chegando foi colocada diante do tribunal de Deus que então a inquiriu: Quem é você? Pergunta fática, existencial. Ela prontamente respondeu: sou a mulher do prefeito municipal. Perguntei quem és tu, não quem é o teu marido. – Sou mãe de quatro filhos... Não quero saber quantos filhos tivestes. Quem és tu? Sou uma mulher cristã. – Não quero saber qual a tua religião. – Sou uma pessoa que vai a missa e que auxilia os pobres e necessitados... E assim, sucessivamente as perguntas se desenrolavam sem que a mulher conseguisse responder quem era ela.
A
pergunta é simples, mas as respostas são em geral estereotipadas. O que fazemos, onde
trabalhamos, com quem casamos, que classe social pertencemos ou religião
cultuamos, etc... Não há tempo para pensar em quem verdadeiramente somos no
mundo contemporâneo. O lucro é a meta, a pressa é a chave, o trabalho é o meio. O saber de nós mesmos é tão efêmero como
uma viagem de avião; transcorre-se um continente sem nem sequer olhar, cheirar e alçar o calor e o brilho de
cada lugar.
Muitos
viajam para se “encontrar”, mas a viagem do turista é bem diferente da do peregrino. O primeiro, busca encurtar a viagem para descobrir as
belezas do destino, ao último importa a sensação do percurso para apreender do
caminho. Saber de si é o exercício de desacelerar. Nosso Ser Integral não comporta a pressa da máquina, mas abarca o
tempo do corpo na determinação do peregrino, na força do remador, na precisão do arremesso e no impulso do ciclista. Pedalar é como um mantra, diria Antônio
Olinto, cicloturista que deu a volta ao mundo de bicicleta. Quem entoa um mantra,
assim como quem empreende uma viagem de bicicleta, ou a pé, quer chegar ao seu destino, mas não como quem
voa de um ponto ao outro do planeta contabilizando as horas "perdidas" no trajeto,
mas como quem encontra no movimento seu infinito mais íntimo.
Esse “infinito
íntimo” foi chamado por Viktor Frankl de
núcleo Espiritual. Carl Gustav Jung chamou-o
de Arquétipo do Self, ou o
Arquétipo da Totalidade. A espiritualidade
para estes dois psicólogos europeus tem
a ver com algo central e dinâmico na
vida de cada um. Nesta perspectiva, a idéia de um mantra proposto
anteriormente, toma outra dimensão que é
o de trans-formação. Esta palavra, mais do que uma mudança de um estado a
outro, significa um formar além, ou uma
formação em processo.
A
espiritualidade é o mote e o motivo do peregrino. A todos que ousam atravessar o “deserto” do mistério
da vida, cabe o encontro com o sentido da integridade que vincula
o ser ao cosmos, àquilo que
entendemos como o sentido ecológico da vida.
Não é a toa que tantos, e cada vez mais, se aventuram pedalando e caminhando numa busca solitária que resulta na ampliação
da consciência. A espiritualidade está
no caminho, e ela não pode ser dada para ninguém, mas deve ser desvelada por cada um.
Enganam-se
aqueles que pensam que a espiritualidade
é o mesmo que religião, elas podem, e em alguns casos se complementam,
mas jamais se confundem. A Espiritualidade existem desde que o Ser Humano surgiu na Terra a mais de 200
mil anos. A religião não tem mais de que 8 mil anos. A religião é a
institucionalização da espiritualidade, como a família o é do amor. Na religião predomina a voz
exterior da autoridade religiosa, na espiritualidade é a voz interior. A religião culpabiliza, a espiritualidade ensina a aprender com os
erros. A religião ameaça, a espiritualidade encoraja. A religião surge com o sedentarismo;
a espiritualidade surge no caminho da transcendência, isto é, no caminho
que leva cada pessoa além de si mesma. Ao caminho que garanta o sentimento de pertencimento e
que vincule e interligue o indivíduo ao
outro. Espiritualidade é a conjunção dos desejos do eu com o destino do cosmos. Aquele momento único e fortuito que nos
sentimos completos e em harmonia com o
mundo.
Esse
sentimento de plenitude, ou esse “infinito mais íntimo” pelo qual nos
referimos tem um nome de Deus. Mas ele
não é, como comumente pensamos, fruto de uma crença, mas é o resultado de uma
experiência individual e profunda. Como disse Jung, quando questionado sobre se acreditava em
Deus: “eu não acredito, eu sei”. Deus é
uma experiência de integralidade e totalidade. Ele não está nos céus, nas
montanhas ou nos templos, mas ele está
no caminhos que criam pontes e geram plenitudes.
Não
sabemos dizer quem somos, pois esquecemos de olhar para dentro. Cultuamos o
nosso status, referenciamos o nosso dinheiro e cultivamos nosso individualismo egoísta. Resta-nos desejar que todos os peregrinos e
pedalantes nos redimam de tanta inconsciência e nos auxiliem a nos “encontrar”.
quarta-feira, 9 de maio de 2012
Sabina Spielrein, a mulher que Co-criou a Psicologia Analítica
Juliana Câmara
É normal hoje em conversas entre amigos se falar em “inconsciente” e
“ato falho”. Incorporados pelo senso comum, esses conceitos estão na
raiz da psicanálise, movimento que revolucionou o estudo da psiquê
humana. Seu criador, Sigmund Freud, também caiu na boca do povo — quem
nunca fez um comentário como “Freud explica?” Outros nomes também
receberam o devido reconhecimento, como Carl Gustav Jung e Alfred Adler.
No entanto, uma mulher que teve papel fundamental no processo de
difusão da psicanálise foi relegada ao esquecimento até a década de 70,
quando cartas e diários foram encontrados e publicados pelo italiano
Aldo Carotenuto. Agora, o século XXI parece querer pagar a dívida da
História com Sabina Spielrein.
Além do filme “Um método perigoso”, de David Cronenberg, em cartaz nos cinemas, documentários, livros e peças teatrais lançados recentemente contam a história da russa que, de paciente experimental da psicanálise, tornou-se uma psicanalista importante que muito contribuiu para o movimento. O livro “Sabina Spielrein: de Jung a Freud” (Ed. Civilização Brasileira), de Sabine Richebacherd, chega às livrarias no fim da próxima semana.
Enquanto formava-se médica e após a graduação, Sabina manteve uma intensa relação afetiva e intelectual com o médico que a tratou na clínica psiquiátrica Burghölzli, em Zurique, e depois a acompanhou na faculdade, Carl Gustav Jung. Mais tarde, ela se correspondeu com Freud e chegou a integrar o Círculo Psicanalítico de Viena. Quando, depois de casada, voltou à Rússia, introduziu a psicanálise no país, além de influenciar outros pensadores da época, incluindo o psicólogo e educador Jean Piaget, de quem ela tratou, e a também psicanalista Melanie Klein — cujos trabalhos foram fundamentais paraa compreensão do desenvolvimento da psiquê das crianças.
Durante os anos em que estiveram em contato, Sabina contribuiu com Jung para a formação de conceitos importantes e inspirou diversos trabalhos seus. A ideia do arquétipo da anima, por exemplo, que constitui o componente feminino da personalidade do homem — traços psicológicos formados ao longo da existência humana e sedimentados através das experiências masculinas com o sexo oposto — é bastante usada pelos junguianos até hoje e foi resultado de uma contribuição entre os dois. Segundo Jung, a anima é responsável pela qualidade da relação do homem com a mulher. Enquanto inconsciente, o contato com a anima se dá por meio de projeções. Ou seja, quando um homem se apaixona por uma mulher, ele está projetando a imagem do sexo oposto que ele tem dentro de si.
— A colaboração de Sabina com Jung deu origem à ideia de anima, um importante conceito junguiano, e da existência e dinâmica da contratransferência (o que o analista sente em resposta ao paciente e o que o analista projeta de seu próprio inconsciente para o paciente) — explica Coline Covington, psicanalista britânica e uma das autoras de “Sabina Spielrein: forgotten pioneer of psychoanalysis” (Sabina Spielrein: a pioneira esquecida da psicanálise, em tradução livre), livro lançado em 2003 nos EUA.
Em novembro de 1911, Sabina apresentou o trabalho pioneiro “A destruição como a causa do devir”. No texto, ela fala pela primeira vez sobre a ideia da pulsão de morte. Em 1920, Freud se refere ao conceito da jovem numa nota de rodapé em “Além do princípio do prazer”.
— Embora a visão de Freud sobre o instinto de morte seja diferente da de Sabina, ela sem dúvida estimulou seu pensamento sobre isso — diz Coline.
Pulsão sexual e contratransferência
O psicanalista e dramaturgo Antônio Quinet explica que Sabina foi a primeira pessoa a perceber que existe uma pulsão de destruição que faz parte da própria pulsão sexual, e a relacioná-la a uma destruição que leva à criação:
— Ela fala da destruição como fonte de vida, como fonte de algo do qual pode ser criado o novo. E Freud diz que a pulsão sexual precisa ter algo de agressivo para ser efetivada.
O que nos faz ir atrás do que desejamos vem da pulsão de morte. Quinet, cujo espetáculo “Abramse os histéricos!”, que retrata o nascimento da psicanálise, está em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal, no Rio, lembra que Freud muito falava do prazer pela dor.
Sabina deu entrada na clínica psiquiátrica Burghölzli em 1904, aos 19 anos, com sintomas de histeria. Jovem de família rica, fluente em alemão, era a paciente ideal para Jung testar as ideias que surgiam em Viena, pelas mãos de Freud. Durante nove meses, ela foi tratada em sessões de análise e participou de testes de associação de palavras. Com uma boa evolução, logo foi considerada apta a começar o curso de medicina e chegou a ser assistente de Jung. Ela sofria com os traumas das agressões em casa. O pai costumava bater em todos os filhos e, com o tempo, Sabina admitiu para Jung que sentia prazer por meio da dor.
Sabina foi a âncora de aproximação entre Jung e Freud. O primeiro escreveu para o médico em Viena pedindo conselhos sobre a jovem que estava tratando. Anos mais tarde, no entanto, ela também acabou por inspirar uma das discórdias que culminaram no rompimento dos dois. Quando Sabina estava terminando seus estudos, começaram a surgir rumores sobre seu envolvimento
amoroso com Jung. As correspondências e diários de Sabina descobertos em 1977 em Genebra indicam a existência de uma relação muito próxima entre os dois e deixam clara a paixão dela pelo médico. Jung, no entanto, escreve uma carta para Freud negando o romance com a paciente. E ela toma a mesma atitude, correspondendo-se com o médico em Viena, inicialmente falando de Jung, mas estendendo a troca de cartas a discussões científicas.
O comportamento do médico suíço em relação a Sabina estremeceu suas relações com Sigmund Freud. O relacionamento dos dois já estava estremecido porque Jung discordava da ideia de Freud de que todo comportamento humano tinha uma raiz sexual. Por outro lado, foi se inclinando para um caminho mais místico, do qual Freud não compartilhava.
O interesse central de Sabina em seus trabalhos estava nas raízes da agressão e da destruição, como a estrutura psíquica é formada na primeira infância, e os processos de mentalização e formação de símbolos no desenvolvimento da criança.
— Ela foi a primeira psicanalista a se dedicar extensivamente à compreensão do desenvolvimento da criança e da formação de símbolos, antecipando o trabalho de Melanie Klein por quase oito anos — destaca Coline.
Quando retornou para a Rússia, Sabina instalou-se em Moscou. Já casada com o médico Pawel Scheftel, difundiu as ideias da psicanálise no país, onde também dedicou-se ao trabalho com crianças em institutos psicanalíticos. Mas suas ideias esbarraram na resistência do regime stalinista e, em 1924, voltou para sua cidade natal, Rostov-on-Don. Já em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, a médica e suas duas filhas foram assassinadas por alemães.
— Seu esquecimento costuma ser atribuído ao pouco reconhecimento de Jung e Freud, mas também ao isolamento em que esteve após se mudar para a Rússia — diz Coline.
Setenta anos depois, o cinema e a literatura resgatam suas memórias.
Além do filme “Um método perigoso”, de David Cronenberg, em cartaz nos cinemas, documentários, livros e peças teatrais lançados recentemente contam a história da russa que, de paciente experimental da psicanálise, tornou-se uma psicanalista importante que muito contribuiu para o movimento. O livro “Sabina Spielrein: de Jung a Freud” (Ed. Civilização Brasileira), de Sabine Richebacherd, chega às livrarias no fim da próxima semana.
Enquanto formava-se médica e após a graduação, Sabina manteve uma intensa relação afetiva e intelectual com o médico que a tratou na clínica psiquiátrica Burghölzli, em Zurique, e depois a acompanhou na faculdade, Carl Gustav Jung. Mais tarde, ela se correspondeu com Freud e chegou a integrar o Círculo Psicanalítico de Viena. Quando, depois de casada, voltou à Rússia, introduziu a psicanálise no país, além de influenciar outros pensadores da época, incluindo o psicólogo e educador Jean Piaget, de quem ela tratou, e a também psicanalista Melanie Klein — cujos trabalhos foram fundamentais paraa compreensão do desenvolvimento da psiquê das crianças.
Durante os anos em que estiveram em contato, Sabina contribuiu com Jung para a formação de conceitos importantes e inspirou diversos trabalhos seus. A ideia do arquétipo da anima, por exemplo, que constitui o componente feminino da personalidade do homem — traços psicológicos formados ao longo da existência humana e sedimentados através das experiências masculinas com o sexo oposto — é bastante usada pelos junguianos até hoje e foi resultado de uma contribuição entre os dois. Segundo Jung, a anima é responsável pela qualidade da relação do homem com a mulher. Enquanto inconsciente, o contato com a anima se dá por meio de projeções. Ou seja, quando um homem se apaixona por uma mulher, ele está projetando a imagem do sexo oposto que ele tem dentro de si.
— A colaboração de Sabina com Jung deu origem à ideia de anima, um importante conceito junguiano, e da existência e dinâmica da contratransferência (o que o analista sente em resposta ao paciente e o que o analista projeta de seu próprio inconsciente para o paciente) — explica Coline Covington, psicanalista britânica e uma das autoras de “Sabina Spielrein: forgotten pioneer of psychoanalysis” (Sabina Spielrein: a pioneira esquecida da psicanálise, em tradução livre), livro lançado em 2003 nos EUA.
Em novembro de 1911, Sabina apresentou o trabalho pioneiro “A destruição como a causa do devir”. No texto, ela fala pela primeira vez sobre a ideia da pulsão de morte. Em 1920, Freud se refere ao conceito da jovem numa nota de rodapé em “Além do princípio do prazer”.
— Embora a visão de Freud sobre o instinto de morte seja diferente da de Sabina, ela sem dúvida estimulou seu pensamento sobre isso — diz Coline.
Pulsão sexual e contratransferência
O psicanalista e dramaturgo Antônio Quinet explica que Sabina foi a primeira pessoa a perceber que existe uma pulsão de destruição que faz parte da própria pulsão sexual, e a relacioná-la a uma destruição que leva à criação:
— Ela fala da destruição como fonte de vida, como fonte de algo do qual pode ser criado o novo. E Freud diz que a pulsão sexual precisa ter algo de agressivo para ser efetivada.
O que nos faz ir atrás do que desejamos vem da pulsão de morte. Quinet, cujo espetáculo “Abramse os histéricos!”, que retrata o nascimento da psicanálise, está em cartaz no Centro Cultural Justiça Federal, no Rio, lembra que Freud muito falava do prazer pela dor.
Sabina deu entrada na clínica psiquiátrica Burghölzli em 1904, aos 19 anos, com sintomas de histeria. Jovem de família rica, fluente em alemão, era a paciente ideal para Jung testar as ideias que surgiam em Viena, pelas mãos de Freud. Durante nove meses, ela foi tratada em sessões de análise e participou de testes de associação de palavras. Com uma boa evolução, logo foi considerada apta a começar o curso de medicina e chegou a ser assistente de Jung. Ela sofria com os traumas das agressões em casa. O pai costumava bater em todos os filhos e, com o tempo, Sabina admitiu para Jung que sentia prazer por meio da dor.
Sabina foi a âncora de aproximação entre Jung e Freud. O primeiro escreveu para o médico em Viena pedindo conselhos sobre a jovem que estava tratando. Anos mais tarde, no entanto, ela também acabou por inspirar uma das discórdias que culminaram no rompimento dos dois. Quando Sabina estava terminando seus estudos, começaram a surgir rumores sobre seu envolvimento
amoroso com Jung. As correspondências e diários de Sabina descobertos em 1977 em Genebra indicam a existência de uma relação muito próxima entre os dois e deixam clara a paixão dela pelo médico. Jung, no entanto, escreve uma carta para Freud negando o romance com a paciente. E ela toma a mesma atitude, correspondendo-se com o médico em Viena, inicialmente falando de Jung, mas estendendo a troca de cartas a discussões científicas.
O comportamento do médico suíço em relação a Sabina estremeceu suas relações com Sigmund Freud. O relacionamento dos dois já estava estremecido porque Jung discordava da ideia de Freud de que todo comportamento humano tinha uma raiz sexual. Por outro lado, foi se inclinando para um caminho mais místico, do qual Freud não compartilhava.
O interesse central de Sabina em seus trabalhos estava nas raízes da agressão e da destruição, como a estrutura psíquica é formada na primeira infância, e os processos de mentalização e formação de símbolos no desenvolvimento da criança.
— Ela foi a primeira psicanalista a se dedicar extensivamente à compreensão do desenvolvimento da criança e da formação de símbolos, antecipando o trabalho de Melanie Klein por quase oito anos — destaca Coline.
Quando retornou para a Rússia, Sabina instalou-se em Moscou. Já casada com o médico Pawel Scheftel, difundiu as ideias da psicanálise no país, onde também dedicou-se ao trabalho com crianças em institutos psicanalíticos. Mas suas ideias esbarraram na resistência do regime stalinista e, em 1924, voltou para sua cidade natal, Rostov-on-Don. Já em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, a médica e suas duas filhas foram assassinadas por alemães.
— Seu esquecimento costuma ser atribuído ao pouco reconhecimento de Jung e Freud, mas também ao isolamento em que esteve após se mudar para a Rússia — diz Coline.
Setenta anos depois, o cinema e a literatura resgatam suas memórias.
quarta-feira, 7 de março de 2012
Ladrões de Bicicleta
Roberto DaMatta
Lamento do fundo do meu coração a morte da ciclista Juliana Dias, vítima da mal politizada e ainda não discutida barbárie do trânsito brasileiro; ao mesmo tempo em que faço uma homenagem ao grande cineasta e ator Vittorio De Sica usando o título do seu célebre filme, realizado em 1948, que retrata uma Itália pós-guerra, vivendo um duro cotidiano de reconstrução de sua sociedade, de sua vida política e do seu sistema econômico, para escrever estas notas.
Para quem não sabe, lembra ou viu, o filme gira em torno de um desempregado que consegue trabalho como colador de cartazes, com a condição - por causa da mobilidade necessária ao serviço - de possuir uma bicicleta! Parece familiar, não é verdade? Para tanto, sua mulher empenha a roupa de cama da casa para obter a bicicleta, cujas frágeis rodas e a força do seu dono e piloto são as asas da esperança do herói do filme para a competição por um emprego na rua.
A história é contada no que se convencionou chamar de neorrealismo, porque não era realizado num estúdio, não tinha o lirismo falso e fácil de Hollywood nem lançava mão de atores famosos. Usando uma cinematografia modesta, quase humilde, que inspirou o cinema novo de Glauber Rocha, Carlos Diegues, Nelson Pereira do Santos e Joaquim Pedro de Andrade, entre outros, De Sica conta como uma simples bicicleta - esse objeto de esporte e lazer - muda de significado e passa a ser um instrumento crítico de sobrevivência, de esperança e de recuperação da honra pessoal. Essa honra cuja marca, para quem é obrigado a trabalhar duro - como, aliás, é o meu caso -, tem como pano de fundo a fragilidade e como centro o temor do desequilíbrio.
Exatamente como ocorre quando andamos de bicicleta sem usar as duas mãos e podemos cair ou ser atropelados, pois toda bicicleta é um fator de risco. Seja pelo requerido equilíbrio, seja pela presença dos veículos motorizados, seja pela desesperada busca do ladrão, como ocorre no filme. Eis uma belíssima metáfora da vida na qual todos somos meros ladrões ou perdedores de bicicletas e nelas passamos desiquilibradamente a nossa existência.
* * * *
Neste Brasil contemporâneo somos todos - como motoristas - especialistas em roubar a vida de pedestres e ciclistas.
De fato, no dia 2 de março, perdeu a vida em São Paulo a bióloga, pesquisadora e cicloativista Juliana Dias, de 33 anos. Ao saber de sua morte em plena rua - abraçada pela crua e nua impessoalidade que marca as ruas de todas as grandes cidades, mas transforma em barbárie as deste nosso gentil Brasil -, voltei a me perguntar se não era um conto do vigário a publicidade realizada em torno do transporte de bicicleta num contexto urbano, onde o trânsito é dominado por uma forma de comportamento brutal e selvagemente agressivo.
Como andar de bicicleta em cidades nas quais motoristas têm como esporte atropelar - pela ordem, pedestres, ciclistas e motociclistas, esses últimos com plena legitimidade, os dois primeiros porque a rua não lhes pertence? Todos, porém, porque são figuras menores numa visão desigual do espaço público. Um espaço que é pessoalmente demarcado de acordo com o tipo de veículo, a agenda do dono do carro, bem como as suas circunstâncias de vida, de tal modo que ninguém deixa de ser - exatamente como no filme de De Sica - um vil ladrão de bicicletas e das vidas que as fazem funcionar. Pois, se os automóveis são movidos a cavalo e dirigidos por déspotas, as bicicletas - até prova em contrário - são tocadas por idealistas e ingênuos, esses inocentes que acreditam no respeito às normas e aos outros.
Pergunto se não seria uma urgência urgentíssima fazer uma campanha maciça, dura e realista, mostrando claramente a nossa resistência à cordialidade que sem dúvida é nossa, mas que deve ultrapassar as fronteiras da casa e do coração, para ser aplicada ao mundo da rua e a todos os que conosco compartilham o espaço urbano. Tal extensão do respeito pelo outro no mundo público chama-se igualdade! Esse valor a ser implementado pela polícia e pela lei, mas ao lado de uma conscientização de nossas alergias às situações igualitárias e o nosso pendor às diferenciações que excluem os "homens bons" ou a "gente boa" das regras, sendo a marca de quem detém alguma forma de fama, celebridade, "você sabe com quem está falando?" e, bem acima de tudo, poder político!
Sem uma renúncia ao despotismo hierárquico que permeia de cabo a rabo o cotidiano brasileiro, e do qual o governo continua a ser o melhor exemplo - andar de bicicleta num trânsito desregulado pela confusão cultural (veja, caro leitor, o meu livro Fé em Deus e Pé na Tábua) entre igualdade e desigualdade (o sinal e o bom senso valem para todos, menos para nós, motoristas de ônibus, altos funcionários do Estado ou donos de "carrões") -, estaremos promovendo mortes brutais, jamais o velho, limpo e mais do que desejável andar de bicicleta!
Reitero à família da Juliana, ciclista símbolo da fé na igualdade, o meu pesar e a minha solidariedade.
Para quem não sabe, lembra ou viu, o filme gira em torno de um desempregado que consegue trabalho como colador de cartazes, com a condição - por causa da mobilidade necessária ao serviço - de possuir uma bicicleta! Parece familiar, não é verdade? Para tanto, sua mulher empenha a roupa de cama da casa para obter a bicicleta, cujas frágeis rodas e a força do seu dono e piloto são as asas da esperança do herói do filme para a competição por um emprego na rua.
A história é contada no que se convencionou chamar de neorrealismo, porque não era realizado num estúdio, não tinha o lirismo falso e fácil de Hollywood nem lançava mão de atores famosos. Usando uma cinematografia modesta, quase humilde, que inspirou o cinema novo de Glauber Rocha, Carlos Diegues, Nelson Pereira do Santos e Joaquim Pedro de Andrade, entre outros, De Sica conta como uma simples bicicleta - esse objeto de esporte e lazer - muda de significado e passa a ser um instrumento crítico de sobrevivência, de esperança e de recuperação da honra pessoal. Essa honra cuja marca, para quem é obrigado a trabalhar duro - como, aliás, é o meu caso -, tem como pano de fundo a fragilidade e como centro o temor do desequilíbrio.
Exatamente como ocorre quando andamos de bicicleta sem usar as duas mãos e podemos cair ou ser atropelados, pois toda bicicleta é um fator de risco. Seja pelo requerido equilíbrio, seja pela presença dos veículos motorizados, seja pela desesperada busca do ladrão, como ocorre no filme. Eis uma belíssima metáfora da vida na qual todos somos meros ladrões ou perdedores de bicicletas e nelas passamos desiquilibradamente a nossa existência.
* * * *
Neste Brasil contemporâneo somos todos - como motoristas - especialistas em roubar a vida de pedestres e ciclistas.
De fato, no dia 2 de março, perdeu a vida em São Paulo a bióloga, pesquisadora e cicloativista Juliana Dias, de 33 anos. Ao saber de sua morte em plena rua - abraçada pela crua e nua impessoalidade que marca as ruas de todas as grandes cidades, mas transforma em barbárie as deste nosso gentil Brasil -, voltei a me perguntar se não era um conto do vigário a publicidade realizada em torno do transporte de bicicleta num contexto urbano, onde o trânsito é dominado por uma forma de comportamento brutal e selvagemente agressivo.
Como andar de bicicleta em cidades nas quais motoristas têm como esporte atropelar - pela ordem, pedestres, ciclistas e motociclistas, esses últimos com plena legitimidade, os dois primeiros porque a rua não lhes pertence? Todos, porém, porque são figuras menores numa visão desigual do espaço público. Um espaço que é pessoalmente demarcado de acordo com o tipo de veículo, a agenda do dono do carro, bem como as suas circunstâncias de vida, de tal modo que ninguém deixa de ser - exatamente como no filme de De Sica - um vil ladrão de bicicletas e das vidas que as fazem funcionar. Pois, se os automóveis são movidos a cavalo e dirigidos por déspotas, as bicicletas - até prova em contrário - são tocadas por idealistas e ingênuos, esses inocentes que acreditam no respeito às normas e aos outros.
Pergunto se não seria uma urgência urgentíssima fazer uma campanha maciça, dura e realista, mostrando claramente a nossa resistência à cordialidade que sem dúvida é nossa, mas que deve ultrapassar as fronteiras da casa e do coração, para ser aplicada ao mundo da rua e a todos os que conosco compartilham o espaço urbano. Tal extensão do respeito pelo outro no mundo público chama-se igualdade! Esse valor a ser implementado pela polícia e pela lei, mas ao lado de uma conscientização de nossas alergias às situações igualitárias e o nosso pendor às diferenciações que excluem os "homens bons" ou a "gente boa" das regras, sendo a marca de quem detém alguma forma de fama, celebridade, "você sabe com quem está falando?" e, bem acima de tudo, poder político!
Sem uma renúncia ao despotismo hierárquico que permeia de cabo a rabo o cotidiano brasileiro, e do qual o governo continua a ser o melhor exemplo - andar de bicicleta num trânsito desregulado pela confusão cultural (veja, caro leitor, o meu livro Fé em Deus e Pé na Tábua) entre igualdade e desigualdade (o sinal e o bom senso valem para todos, menos para nós, motoristas de ônibus, altos funcionários do Estado ou donos de "carrões") -, estaremos promovendo mortes brutais, jamais o velho, limpo e mais do que desejável andar de bicicleta!
Reitero à família da Juliana, ciclista símbolo da fé na igualdade, o meu pesar e a minha solidariedade.
terça-feira, 17 de janeiro de 2012
Vulcano - o deus do Fogo
Poucas coisas estamos aptos a recomendar com convicção. Talvez um bom prato de comida típica, um melhor horário para se viajar, um melhor traje para ocasiões específicas.
Mais difícil é recomendar um lugar aonde ir.
Vou me atrever a contrariar o senso popular que diz que "gosto não se discute" e recomendar, a quem quer que tenha esta chance,
Esteja uma vez na vida perto de um vulcão...
Dá, para quem se permite, sentir o pulsar do coração da da Terra.
O percurso é totalmente sinalizado e elgumas partes existem até passarelas |
O Monte Tongariro desde imemorias tempos é um espaço sagrado para o povo Maori.
Alguns buscam uma experiência mística nesta caminhada vulcânica tentando alçar o elo que os vincula a mãe Terra.
Outros, novos espaços e paisagens.
Outros, novos espaços e paisagens.
Vulcano na mitologia romana era o deus do fogo.
Fogo é o elemento que trans-forma. Talvez por isso ele seja tão fascinante.
A terra palpita viva, como o nosso coração...
Aprendemos a dominar este grandeza sacralizando aquilo que nos dá medo.
Tudo que é sagrado liga o indivíduo com algo ou alguém que possui uma profunda significação.
O significado não está nas coisas ou nas pessoas, mas no mistério incondicional que re-liga tudo e todos.
Talvez este "elemento" fosse aqui encontrado pelos Maoris, talvez seja esta meta dos que trilham este percurso.
Há a presença de substâncias químicas que alteram a cor, sabor e cheiro da água.
Boa parte da agua por aqui é aquecida (pelo vulcão naturalmente).
Um pouco de neve remanescente do inverno. O topo do vulcão Ruapehu que está a 2700 metros em relação ao nível do mar, está constantemente coberto de neve.
Inversamente proporcional a imagem "lunar" to topo do vulcão, na base dele o inverso é verdadeiro, isto é, a natureza é exuberante e com grande viço.
Na formação geológica da Terra, sem a poeira e a cinza vulcânica, os solos seriam bem menos férteis.
Resultado de 8 horas de caminhada, montanha acima e abaixo estimulado pelo inchaço da pedalada do dia anterior. O joelho esquerdo estava bastante prejudicado. Só consegui resolver este problema após o fim da viagem (16 dias depois) com 5 dias sem pedalar (quase!).
quinta-feira, 12 de janeiro de 2012
Ciclo viagem: 4º dia - Taupo - Turangi - National Park
Quarto dia de viagem, destino Turangi. Esta é um pequena cidade localizada a sudeste do Lake Taupo. Atualmente é um ponto de referência para quem visita o Parque Nacional onde estão os vulcões Tongarino e Ruapehu. Aqui parei somente para dormir, a viagem valeu pela vista que pude observar contornando o lago.
Pequenas ilhas que pertencem ao lago e se recusam a permanecer submersas podem ser vistas durante todo o percurso.
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A subida dificulta a pedalada, mas, em compensação me dá uma bela visão.
Em Montuapa, aproveitei a sombra para descansar um pouco e comer algo.
Ao redor do lago há inúmeros campings públicos onde muitos param seus trailers, motor homes ou mesmo barracas a passam as férias, fins de semana e feriados.
Apesar destes campings serem totalmente abertos, assaltos e roubos não são muito comuns por aqui; logo estes lugares costumam ser bem freqüentados.
Apesar destes campings serem totalmente abertos, assaltos e roubos não são muito comuns por aqui; logo estes lugares costumam ser bem freqüentados.
Lugarzinho bom para descansar, não é mesmo? |
As casas de culto Maori são tão frequentes quanto as igrejas por aqui. É comum encontrar muito próximo a estas casas uma igreja.
É interessante observar que houve aqui um certo sincretismo, isto é, uma mistura das tradições religiosas dos nativos e dos imigrantes.
Nas igrejas próximas as casas de culto deve-se entrar descalço e nas casas Maoris a cruz e outros símbolos Cristãos podem ser vistos. Mistura igual se dá nos cemitérios que agregam elementos Maoris e Cristãos.
Campo de Rugby junto a uma escola. Muito comum |
O Rugby é o esporte nacional, por conta disso é muito comum ver nos espaços escolares campos para esta modalidade. O que nem sempre é tão comum é ter uma paisagem tão bela como a deste campo e escola.
Esta foto tirei da janela do Hostel que fiquei em Turangi, aliás, destaque nesta viagem foi esta acomodação, uma das melhores. Só perdeu para Anakiwa na Ilha Sul, muito embora aqui tenha sido, de fato, o lugar mais aconchegante.
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TURANGI - NATIONAL PARK - Contornando os Vulcões |
No dia 22 de dezembro sai de Turangi e fui para o Nacional Park a pouco mais de 50 km de onde estava. Chovia, o que nunca é um bom sinal, mas conforme foi passando o tempo a chuva foi rareando e deu espaço a um vento gelado que descia "cantando" dos vulcões gelados.
Pode-se ver pela foto do satélite que existem dois vulcões um ao lado do outro. No inverno toda esta área fica coberta de neve, na foto, somente o Monte Ruapehu que tem quase 2700 metros aparece com neve. Subi, de bicicleta cerca 1200 mt em pouco mais de 14km, contornando os vulcões. Foi o trecho de subida mais difícil que havia encontrado até então, mas afora o frio e o meu joelho que começou a inchar nesta subido e só parou quando a viagem acabou, deu tudo certo.
Destaque para este trecho, foi também, a vista que começava a desvelar uma beleza que eu não imaginava.
A subida sofrida, mas sempre deslumbrante...
O tempo parece parar...A imagem é como um sonho que acabou de começar...
Tão longe e tão perto ao mesmo tempo.
Quando eu era criança costumava desenhar vulcões assim.
É quando a terra respira!
As rochas parecem dar lugar a água fria que a serpenteia.
E o dia segue, o tempo vai desnudando os contornos deste corpo Gaia.
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