domingo, 27 de fevereiro de 2011

Evolução Humana segundo Blu

Saúde Mental


Rubem Alves

Fui convidado a fazer uma preleção sobre saúde mental. Os que me convidaram supuseram que eu, na qualidade de psicanalista, deveria ser um especialista no assunto. E eu também pensei. Tanto que aceitei. Mas foi só parar para pensar para me arrepender. Percebi que nada sabia. Eu me explico.
Comecei o meu pensamento fazendo uma lista das pessoas que, do meu ponto de vista, tiveram uma vida mental rica e excitante, pessoas cujos livros e obras são alimento para a minha alma. Nietzsche, Fernando Pessoa, Van Gogh, Wittgenstein, Cecília Meireles, Maiakovski. E logo me assustei. Nietzsche ficou louco. Fernando Pessoa era dado à bebida. Van Gogh matou-se. Wittgenstein alegrou-se ao saber que iria morrer em breve: não suportava mais viver com tanta angústia. Cecília Meireles sofria de uma suave depressão crônica. Maiakoviski suicidou-se.

Essas eram pessoas lúcidas e profundas que continuarão a ser pão para os vivos muito depois de nós termos sido completamente esquecidos. Mas será que tinham saúde mental? Saúde mental, essa condição em que as idéias comportam-se bem, sempre iguais, previsíveis, sem surpresas, obedientes ao comando do dever, todas as coisas nos seus lugares, como soldados em ordem unida, jamais permitindo que o corpo falte ao trabalho, ou que faça algo inesperado; nem é preciso dar uma volta ao mundo num barco a vela, bastar fazer o que fez a Shirley Valentine (se ainda não viu, veja o filme) ou ter um amor proibido ou, mais perigoso que tudo isso, a coragem de pensar o que nunca pensou.

Pensar é uma coisa muito perigosa... Não, saúde mental elas não tinham. Eram lúcidas demais para isso. Elas sabiam que o mundo é controlado pelos loucos e idosos de gravata. Sendo donos do poder, os loucos passam a ser os protótipos da saúde mental. Claro que nenhum dos nomes que citei sobreviveria aos testes psicológicos a que teria de se submeter se fosse pedir emprego numa empresa. Por outro lado, nunca ouvi falar de político que tivesse estresse ou depressão. Andam sempre fortes em passarelas pelas ruas da cidade, distribuindo sorrisos e certezas.

Sinto que meus pensamentos podem parecer pensamentos de louco e por isso apresso-me aos devidos esclarecimentos. Nós somos muito parecidos com computadores. O funcionamento dos computadores, como todo mundo sabe, requer a interação de duas partes. Uma delas chama-se hardware, literalmente "equipamento duro", e a outra denomina-se software, "equipamento macio". O hardware é constituído por todas as coisas sólidas com que o aparelho é feito.

O software é constituído por entidades "espirituais" - símbolos que formam os programas e são gravados nos disquetes.

Nós também temos um hardware e um software. O hardware são os nervos do cérebro, os neurônios, tudo aquilo que compõe o sistema nervoso. O software é constituído por uma série de programas que ficam gravados na memória. Do mesmo jeito como nos computadores, o que fica na memória são símbolos, entidades levíssimas, dir-se-ia mesmo "espirituais", sendo que o programa mais importante é a linguagem.

Um computador pode enlouquecer por defeitos no hardware ou por defeitos no software. Nós também. Quando o nosso hardware fica louco há que se chamar psiquiatras e neurologistas, que virão com suas poções químicas e bisturis consertar o que se estragou. Quando o problema está no software, entretanto, poções e bisturis não funcionam. Não se conserta um programa com chave de fenda. Porque o software é feito de símbolos, somente símbolos podem entrar dentro dele.

Assim, para se lidar com o software há que se fazer uso dos símbolos. Por isso, quem trata das perturbações do software humano nunca se vale de recursos físicos para tal. Suas ferramentas são palavras, e eles podem ser poetas, humoristas, palhaços, escritores, gurus, amigos e até mesmo psicanalistas.

Acontece, entretanto, que esse computador que é o corpo humano tem uma peculiaridade que o diferencia dos outros: o seu hardware, o corpo, é sensível às coisas que o seu software produz. Pois não é isso que acontece conosco? Ouvimos uma música e choramos. Lemos os poemas eróticos de Drummond e o corpo fica excitado. Imagine um aparelho de som. Imagine que o toca-discos e os acessórios, o hardware, tenham a capacidade de ouvir a música que ele toca e se comover. Imagine mais, que a beleza é tão grande que o hardware não a comporta e se arrebenta de emoção! Pois foi isso que aconteceu com aquelas pessoas que citei no princípio: a música que saía de seu software era tão bonita que seu hardware não suportou.

Dados esses pressupostos teóricos, estamos agora em condições de oferecer uma receita que garantirá, àqueles que a seguirem à risca, saúde mental até o fim dos seus dias. Opte por um software modesto. Evite as coisas belas e comoventes. A beleza é perigosa para o hardware. Cuidado com a música. Brahms e Mahler são especialmente contra-indicados. Já o rock pode ser tomado à vontade.

Quanto às leituras, evite aquelas que fazem pensar. Há uma vasta literatura especializada em impedir o pensamento. Se há livros do doutor Lair Ribeiro, por que se arriscar a ler Saramago? Os jornais têm o mesmo efeito. Devem ser lidos diariamente. Como eles publicam diariamente sempre a mesma coisa com nomes e caras diferentes, fica garantido que o nosso software pensará sempre coisas iguais. E, aos domingos, não se esqueça do Silvio Santos e do Gugu Liberato.Seguindo essa receita você terá uma vida tranqüila, embora banal. Mas como você cultivou a insensibilidade, você não perceberá o quão banal ela é. E, em vez de ter o fim que tiveram as pessoas que mencionei, você se aposentará para, então, realizar os seus sonhos. Infelizmente, entretanto, quando chegar tal momento, você já terá se esquecido de como eles eram.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Bicicletas e a Civilização

Somos uma sociedade em constante evolução, a muito deixamos a barbárie dos “homens das cavernas” e aprendemos a con-viver para poder viver melhor, com mais segurança e qualidade. É por conta da convivência que o ser humano se civilizou e formou suas cidades que, aliás, tem a mesma raiz etimológica da palavra civilização.
Os caminhos pelos quais o ser humano conquistou esta civilização é que mudou conforme o local e a época sendo que para alguns países a civilidade tem a ver com acesso a todas as necessidades básicas seja de saúde, educação e alimento, mas pouco acesso as decisões políticas. Outros, a civilização está marcada pela liberdade individual, mas pouco relacionado a garantias sociais.


O intrigante na busca desta civilidade é percebermos o quanto o irracional e o bárbaro convivem e até confundem-se com o humano moral da civilização. Viver na cidade, civilizadamente, significou poder usufruir de todas as garantias sociais. Como em nossa sociedade brasileira estas garantias historicamente se restringiram a uma elite que podiam criar leis em benefício próprio, rapidamente entendeu-se que civilizado era quem detinha os direitos sociais. Foi fácil relacionar o modelo de polidez e educação, apregoado pela civilização, ao êxito e ao sucesso. Logo, ser moderno e civilizado significou poder usufruir de todos os direitos sociais principalmente o de consumir e exibir os seus bens.


Esta lógica de ser civilizado somente aquele que detém as garantias sociais, atrelado a tradição histórica na qual as elites pensam e mandam enquanto o povo executa o trabalho braçal, fez surgir uma sociedade em que se vinculou o pensar a elite e o trabalho braçal ao povo “que não deve pensar”. Não é difícil entender porque a bicicleta não “pegou” para imensa maioria da população brasileira, ela exige movimento corporal, suor e força para funcionar. As elites não fazem força, elas delegam esta força para outros ou, para se locomover, compram um carro. Este, aliás, sempre foi o cartão de visitas das elites nacionais, pois está envolto em uma aura de poder e sucesso.


A propaganda, ainda hoje veiculada na mídia, não diz que o “brasileiro é apaixonado por carro?” De fato todos nós precisamos de reconhecimento, e o carro em boa parte do mundo e particularmente no Brasil, sempre foi a vitrine. Infelizmente, poucos se deram conta de que, como todas as vitrines, as paredes são de vidro, quebram e mancham com o primeiro sopro de vida verdadeira.


A concepção de que o carro é o homônimo da civilização é tão arraigada em nossa cultura nacional que praticamente não existem governantes discutindo uma outra forma de mobilidade. Continuamos, como na década de 60, construindo estradas, privatizando-as, e deitando felizes achando que estamos no caminho da modernidade.


Para termos uma idéia do que significou esta mentalidade, e o atraso civilizatório que ela nos delegou, é interessante ver um vídeo da Holanda na década de 50. A relação do holandês com a bicicleta é antiga, mas podemos ver que desde esta década a preocupação com as ciclovias, os estacionamentos e a mobilidade já eram presentes. Pensei em sugerir que nossos políticos fizessem um estágio na Holanda antes de assumirem cargos públicos, mas desconfio que isso seria inócuo dada a pouca capacidade de reflexão da maior parte deles.



Fiquem em Paz!




Felipe André Aço