domingo, 29 de julho de 2012

JORNADA PARA DENTRO DE SI MESMO


Diz uma história antiga que uma pessoa foi para o céu e lá chegando foi colocada diante do tribunal de Deus que então a inquiriu:  Quem é você? Pergunta fática, existencial. Ela prontamente respondeu:  sou a mulher do prefeito municipal. Perguntei quem és tu, não quem é o teu marido. – Sou mãe de quatro filhos... Não quero saber quantos filhos tivestes. Quem és tu? Sou uma mulher cristã. – Não quero saber qual a tua religião.  – Sou uma pessoa que vai a missa e que auxilia os pobres e necessitados... E assim, sucessivamente as perguntas se desenrolavam sem que a mulher conseguisse responder quem era ela.

 A pergunta é simples, mas as respostas são em geral  estereotipadas. O que fazemos, onde trabalhamos, com quem casamos, que classe social pertencemos ou religião cultuamos, etc... Não há tempo para pensar em quem verdadeiramente somos no mundo contemporâneo. O lucro é a meta, a pressa é a chave, o trabalho é  o meio. O saber de nós mesmos é tão efêmero como uma viagem de avião; transcorre-se um continente sem nem sequer  olhar, cheirar e alçar o calor e o brilho de cada lugar.

Muitos viajam para se “encontrar”, mas a viagem do turista  é bem diferente da do peregrino.  O primeiro,  busca encurtar a viagem para descobrir as belezas do destino, ao último importa a sensação do percurso para apreender do caminho. Saber de si é o exercício de desacelerar.      Nosso Ser Integral  não comporta a pressa da máquina, mas abarca o tempo do corpo na determinação do peregrino, na força do remador,  na precisão do arremesso  e no  impulso  do ciclista.   Pedalar é como um mantra, diria Antônio Olinto,  cicloturista que deu a volta ao  mundo de bicicleta. Quem entoa um mantra, assim como quem empreende uma viagem de bicicleta, ou a pé,  quer chegar ao seu destino, mas não como quem voa de um ponto ao outro do planeta contabilizando as horas "perdidas" no trajeto, mas como quem encontra no movimento seu infinito mais íntimo.   

Esse “infinito íntimo”  foi chamado por Viktor Frankl de núcleo Espiritual. Carl Gustav Jung chamou-o  de Arquétipo do Self, ou o Arquétipo da Totalidade. A espiritualidade para estes dois psicólogos europeus tem a ver com algo central  e dinâmico na vida de cada um. Nesta perspectiva, a idéia de um mantra proposto anteriormente,  toma outra dimensão que é o de trans-formação. Esta palavra, mais do que uma mudança de um estado a outro, significa um formar além,  ou uma formação em processo.

A espiritualidade é o mote e o motivo do peregrino. A todos  que ousam atravessar o “deserto” do mistério da vida, cabe o encontro com o sentido da integridade  que vincula  o ser ao  cosmos, àquilo que entendemos como o sentido ecológico da vida.  Não é a toa que tantos, e cada vez mais, se aventuram  pedalando e caminhando   numa busca solitária que resulta na ampliação da consciência.  A espiritualidade está no caminho, e ela não pode ser dada para  ninguém, mas deve ser desvelada por cada um.

Enganam-se aqueles que pensam que a espiritualidade  é o mesmo que religião, elas podem, e em alguns casos se complementam, mas jamais se confundem. A Espiritualidade existem desde  que o Ser Humano surgiu na Terra a mais de 200 mil anos. A religião não tem mais de que 8 mil anos. A religião é a institucionalização da espiritualidade, como a família  o é do amor. Na religião predomina a voz exterior da autoridade religiosa, na espiritualidade é a voz interior.   A religião culpabiliza,  a espiritualidade ensina a aprender com os erros. A religião ameaça, a espiritualidade encoraja. A religião surge com  o  sedentarismo;  a espiritualidade surge no caminho da transcendência, isto é, no caminho que leva cada pessoa além de si mesma. Ao caminho  que garanta o sentimento de pertencimento e que vincule  e interligue o indivíduo ao outro.  Espiritualidade  é a conjunção dos desejos do eu  com o destino do cosmos.  Aquele momento único e fortuito que nos sentimos completos e  em harmonia com o mundo.

Esse sentimento de plenitude, ou esse “infinito mais íntimo” pelo qual nos referimos  tem um nome de Deus. Mas ele não é, como comumente pensamos, fruto de uma crença, mas é o resultado de uma experiência individual e profunda. Como disse Jung,  quando questionado sobre se acreditava em Deus: “eu não acredito, eu sei”.  Deus é uma experiência de integralidade e totalidade. Ele não está nos céus, nas montanhas ou nos templos,  mas ele está no caminhos que criam pontes e geram plenitudes.

Não sabemos dizer quem somos, pois esquecemos de olhar para dentro. Cultuamos o nosso status, referenciamos o nosso dinheiro e cultivamos  nosso individualismo egoísta.  Resta-nos desejar que todos os peregrinos e pedalantes nos redimam de tanta inconsciência e nos auxiliem a nos “encontrar”.

2 comentários:

  1. Gostei muito deste texto, Felipe.
    Um abraço, Priscila

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  2. Maravilhoso! É como se pudesse sentir o vento bater o meu rosto e sentir um cheiro diferente a cada palavra... Vou compartilhar em minha página fb/omultimoluar. Parabéns!!

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