domingo, 3 de outubro de 2010

Darwin e a Bicicleta

 E o Darwin? Alguém já se perguntou se ele tinha uma bicicleta?. Muito provavelmente sim, muito embora não conste em suas biografias. Darwin  prescreveu em seu livro Origens das Espécies, a sobrevivência do mais apto, e há que se pensar o que isso significa  em nossos dias.
Não está longe o tempo em que o automóvel não mais saíra de suas garagens, seja por excesso de trânsito, rodízio de veículos  ou sobretaxas de estacionamento e circulação proibitivas.  Devemos refletir um pouco sobre o que é esta adaptação,  traduzida por muitos como a sobrevivência do mais forte. Na verdade, o que está em jogo nunca foi o do mais forte, mas sim daquele que teve a maior capacidade de adaptação.  Fosse o mais forte, ainda hoje teríamos dinossauros vagando pelas planícies.
Essa lógica da adaptação  é interessante, pois no mundo moderno não “está por cima” quem sabe bater, mas aquele que é capaz de dialogar; não é melhor quem domina o outro(a), mas quem é capaz de se colocar no lugar do outro(a). Nem é  superior quem é maior e poderoso, mas quem tem inteligência e disciplina (vide, por exemplo, o caso do Japão). Tão pouco é melhor  quem dirige seu carro como se doma um cavalo xucro, mais cedo ou mais tarde a máquina de metal ou a “máquina” do coração cobram o ímpeto de tanta agressividade.
E nós, simples ciclistas na beira das estradas, quantas vezes não nos sentimos frágeis, indefesos e insignificantes diante do ônibus correndo para cumprir o horário;  do táxi impulsivo cuspindo os passageiros para poder,  o quanto antes,  empreender uma nova corrida. Dos carros,  praticamente vazios de pessoas,  e mais ainda de sentimentos; mas cheios de si,  desconhecendo ciclistas, pedestres, animais  pois, “tempo é dinheiro” e a rua é dos carros...
Os sociólogos já anunciavam em meados do século xx: “Bem vindos a selva de pedra, a civilização”. Civilização? Civilizar não é tornar os bens sociais comuns em direitos e deveres a todos? Infelizmente muitas pessoas deturparam as teses de Darwin entendendo que as melhorias ocasionadas pela “seleção natural”, isto é, o aprimoramento genético oriundo da adaptação ambiental e presentes nas gerações subseqüentes, significaria  priorizar os “mais inteligentes”, “sábios” e “geneticamente superiores” como uma forma de perpetuar a espécie mais capaz (Triste tese esta que deu margem ao nazismo no início do século XX).  O fato é que para muitos,  ser inteligente, capaz, bem sucedido e ter sucesso significa  ser esperto, ambicioso, ter posses e um bom  “marketing pessoal”.
Não basta ser inteligente, esta inteligência deve servir para produzir mais dinheiro. Não basta ser capaz, mas esta capacidade  tem que se sobrepor a dos outros, pois, afinal, ninguém quer se sentir o último...o “fracassado”. Não basta ter posses, é necessário ostentá-las. Para isto, visto uma marca não uma roupa, calço um tênis que tem o mesmo preço que uma televisão de 32 polegadas e dirijo um automóvel a cada ano, pois ele é o “cartão de visitas” do meu sucesso.  Triste mundo este em que o automóvel se converteu na vitrine da nossa auto-estima!
A sociedade do “individualismo automotivo” é a mesma das neuroses, da solidão, da angústia, da desrealização e da falta de sentido para a vida.  Eu me pergunto, diante disso tudo, se não nos desviamos do caminho e de fato confundimos adaptação com força e hoje buscamos nossa autonomia e originalidade querendo ser o que não somos, demonstrar superioridade, ao invés de adequação, poder ao invés de humildade; agressividade ao invés de competitividade...
A selva de pedra e asfalto respeita a lógica da massa, que na lei da física depende da densidade e do volume. Em outras palavras, na regra informal das ruas, manda quem  tem mais visibilidade, ou seja, quem tem tamanho. Este tamanho,  que sempre foi sinônimo de força,  não é o mesmo  que a adaptação. Por isso Hitler sucumbiu ao inverno russo e os dinossauros a escasses de alimentos.
O culto ao automóvel nutre-se do status e da representação que a cultura ocidental lhe atribuiu. Nosso ego, e o conseqüente sentimento de identidade, acredita ser esta representação o final último da existência. 
Alguma coisa está errada quando precisamos “ter”, ou representar ter, para nos sentir existindo. Dizia o poeta T.S. Eliot que “Em um mundo de fugitivos quem vai na direção contrária parece que está fugindo”. Muitas vezes nós ciclistas parecemos estar fugindo, porque de fato estamos. Fugindo de um mundo que perdeu o senso de integridade da vida. De uma sociedade que ignorou o outro em benefício do indi-víduo, de um espaço público que privilegia o forte e fragiliza o fraco (o menor). 
O ciclista em nosso país vive uma eternidade a cada minuto, pois é obrigado a se adaptar a todo o instante. Na certa não somos os mais fortes, mas somos mais a cada dia,  e  mais  aptos a cada geração. Nossa força está na insistência, determinação  e integridade conosco próprios, com os outros, com a vida e com o mundo. Resta desejarmos que  esta evolução  seja   antes de consciência. 

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